terça-feira, 25 de agosto de 2009

"Rostos espalhados pela parede, alguns livros pela metade, o verde inebriado pela fumaça dos incensos, mistura de sândalo com outro cheiro bom, o ar sufocado pelas portas fechadas, papéis transbordando a mesa, a maçaneta como cabide, pelúcias escondidas, as portas do armário abertas, uma antena que às vezes não funciona, velas variadas, revistas fúteis e outras nem tanto, postais colados em alguns cantos, sussurros da música baixa e agradável, dezenas de fotos escondidas em uma gaveta, um piano esquecido e o sol e a lua contrastando no crepúsculo da colcha de cetim..."

sábado, 22 de agosto de 2009

Quarto 691

Sinto na respiração daquele quarto vazio, o espaço sombrio entre o amor e o rancor. Sinto o ar pesado como ferro em brasa, tomando formas abstratas nas paredes pintadas com tintas de cor. Tateando o chão eu encontro pedaços de nós, cartas de amor, pontas de cigarro, garrafas sem rótulo, tudo o que sobrou... No vidro sujo e embaçado me vejo num passado não muito distante, com ânsia de me encontrar, te encontrar. E hoje me vejo refletida no que sou: presa num presente sem futuro, embaçando o vidro com a respiração ofegante e quente vendo tudo o que restou. Abro a porta para ir embora, olho pela ultima vez para aquele quarto de motel barato com o neon fraco, abandonado pela nossa falta de amor. Desço as escadas correndo tocando no corrimão enferrujado e vibrante, encontro de novo a rua e como e fosse um ultimo aceno, vento batendo no rosto, fecho os olhos e me despeço daquilo que já fez parte de mim, mas que nada de mim, sobrou

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

ruas.anjos.rostos.vc

Andando por entre as ruelas que mal sabia onde iam dar, tudo era mais íntimo e mais confortável do que estava por vir. Os imponentes e antigos prédios, com suas fachadas repletas de anjos e balaustres de gesso, a buzina dos carros distantes, a chuva que começava a cair... Unhas? Pra que unhas? No auge do ataque de minha úlcera nervosa elas já haviam sido completamente devoradas... talvez fosse cedo demais, ou tarde demais. As horas pareciam brincar com os números do relógio. Pode ser que esteja quebrado. Quebrado? Então o tempo me deu uma folga? Que nada... apressar-se foi preciso. Rostos diferentes pareciam ler minha mente quando passavam por mim. E a chuva caiu. Sem marquises ou guarda-chuva, fui andando com os com as mãos trêmulas, não sei se de frio ou tensão. Quando me aproximei do lugar marcado, o vi se aproximando, já me olhando com ternura e com olhos de remorso.... Mas ali era a minha chance. Chance de acabar com tudo, com o veneno que se diluía no meu sangue toda vez que eme beijava. Era a chance de parar de me matar pouco a pouco. Eu tenho que ser forte, eu tenho que ser, eu tenho... Para que treinar dias para falar algo que não consegue? Tudo em vão? E a chuva voltou a cair, impiedosa, tentando lavar a culpa que brotava no mar do arrependimento... e se não tivesse ido ali? E se seus beijos não fossem tão irresistíveis? Questionamentos e mais questionamentos... mas agora não importava mais. Não agora, não no momento exato que acabei de ser enganada pela felicidade outra vez.
Mas na próxima vez eu consigo....

Romeo e Julieta

No sábado, como o de costume, acordei às 05h para ir ao curso no centro da cidade. Nada diferente do habitual; tomei banho, me arrumei e tomei café. Antes de sair, abri a persiana e olhei para a rua. Tudo normal além do céu azul escuro e opaco que começava a dar os primeiros sinais da bela manhã ensolarada que estava por vir.
Atravessei o hall do prédio e quando fui me aproximando do portão, que é largo e de grades, percebi que os porteiros olhavam fixamente para a cena que estava acontecendo. A princípio, vi um carro preto e esportivo parado em frente ao portão, com três garotos encostados, que deveriam ter entre 16 e 18 anos no máximo, e ao lado do carro me deparei com um menino sem blusa e visivelmente transtornado - uma mistura explosiva de álcool e tristeza - ajoelhado, com os braços entrelaçados como se fossem feitos de mármore, nas pernas de uma menina. Não era uma menina qualquer, era a sua metade, sua namorada.
Quanto mais ela tentava se desvencilhar dos braços de mámore fincados em sua pele, mais ele chorava. E entre lapsos de soluços e palavras soltas, ele dizia que a amava, que não era para ela o deixar, pois se o fizesse ela ia arrancar sem anestesia o seu coração.
Fiquei brevemente parada ali, fitando envolvida com toda a intensidade que os rodeava. Foi quando ela cedeu aos seus murmúrios e lamentos e sutilmente, ela deixou que o corpo escorregasse por entre os braços do seu amado, passou as mãos no rosto perdido por trás das lágrimas e o beijou. Foi um beijo apavorado, e absorto de incertezas. Mas constante e voraz, como se nada mais importasse - nem o fato de que haviam vizinhos a observando. Eles se esqueceram de nós, do tempo e como se nada mais importasse, eles levantaram e ficaram se olhando com as testas grudadas uma na outra. Ela se despediu com um olhar e ele afagou seu rosto. Ele entrou no carro e ela pediu para abrir o portão.
Os porteiros que antes chegaram a aplaudir a cena de amor, acompanharam tudo com o olhar - seu rosto vermelho escondido por entre os fios de cabelo que as lágrimas grudaram, joelho ralado e um sorriso de felicidade.
Assim eu parti, peguei meu velho ônibus de sempre e fui estudar inspirada, esperando um bom dia.
Afinal, não é sempre que a gente vê um Romeu e uma Julieta nesses tempos tão sem paixão.